segunda-feira, 23 de novembro de 2009

João de Barro

Por quanto tempo me escondi do mundo? Envolvido num sopro de vento, por quanto tempo deixei de ser sopro para ser vento? Agora que percebi como minha constituição se assemelha a terra, ao pó, argila, não posso deixar de querer derramar água em mim para unificar-me. É o vento que seca o barro molhado. É no vento que eu voo longe, busco o pólen e o canto de outro passarinho.

Talvez assim eu possa um dia me tornar um lindo vaso chinês, ou um muro rígido como meus ossos. Há dias que minha consistência é como carne crua de peixe, sem fibras e insípida. Noutros, tudo o que sei que sou, e o que não sei também, adquire formato fino, transparente e muito atraente.

Posso mastigar meus pensamentos sem me importar com meu corpo. Não sem me perguntar: por quanto tempo me escondi do mundo, engolindo esses pensamentos como pedras improváveis de se triturar? Como pode uma mente que se liquefaz e derrama-se junto ao sangue, se expele com a urina, aparentemente estar escondida?

Neste ponto, as minhas janelas produziam uma penumbra imensa dentro de mim. Sobre as minhas duas esferas negras, e muito eficientes ao enxergar o mundo, as cortinas do pensamento permaneciam intactas e frias. O sol, enfim, não podia alcançar a lã do tapete, tampouco meus dedos que descansavam sobre uma cama vazia. Vinte dedos, sozinhos.

Então, subitamente, algo acontece que me torna menos eu, menos indivíduo. Torno-me amplo como o céu da Turquia! Branco como o gelo da Antártida! Isso só me remete a uma explicação: meu ser, mais do que nunca, necessita construir a sua própria casa, não mais basta ser único porém tão dividido. Quer amor.

Ao pensar, como o vento, meu ser torna-se um grão de terra seco. Ao sentir, como a água que é minha amada, torna-se barro.

Nenhum comentário: