terça-feira, 23 de junho de 2009

"Já que eu não posso te levar, quero que você me leve."
Lõbão

Sérgio

Esse amigo meu que te conto
É artista, joga baralho e toca tuba.
Não se preocupe se perder o bonde,
Esse ai é um garoto da mata, da noite, de cuba.
Esse cara é a cara de todo mundo.
Minha cara, tua cara, cara de tudo,
Até cara de pau se preciso
Pois nesse mundo o preciso não é tudo
Só o respeito acima do recado:
Esse cara é uma benção,
Vinda lá do outro lado.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Poema de Vinho

Rubores desta página manchada
São canções do descontexto.
São como ruas de flor cálida,
Como eu, amando sem nenhum pretexto.

Penso, aliás, se estas uvas engarrafadas
Ousarão expurgar minha dor aos ventos?
Sob a prata intercalada,
Terão lido meus lamentos?

Alvo de fúria desregrada,
Sobre a fátua pérola de minha nuca,
Outra pedra tornou-se bruta
No canto da noite, em mim sulcada.

A minha falta de ira goza, em maio,
Subitamente, sua falta de pejo.
Das frias pradas do oriente entalho
Estas palavras trazidas no ensejo.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Lágrima de Sal

Dias de maio.
Fúria.
Hálito após o ensaio.
Rubi no céu da boca.
Tua lua rebelde e louca,
Sã e pouca,
Fosso que caio
Quando o prazer cobre
A dor espúria,
À carne transpira nua,
Rouca.
Derrama cabelos frágeis,
De tua nuca
Chorando em mim,
Sulcam com poucas
Pétalas de ópio
A seda dos seios carmim,
Dourada de noite.
Ao final,
Soprou, cedeu e adormeceu
Enfim,
Lagrimada de sal.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Verso

Ande por caminhar,
Estacione na vaga.
Desistir se o caminho
É desistente?
Este verso não diz
Absolutamente nada,
Esse verso sente.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Centro

Há o ato do tempo
Nos pingos de tinta
Dos sinos que abrigam o silêncio.

Quebrando às águas do vento
Ao final da vida sucinta
O que mente a espuma de dentro.

E nem que o fruto se ressinta
Será suspensa a razão do centro
Quando de uma mãe a outra desminta.

Serei para sempre atento
Ao sol do dia que brilha
Enquanto sugar-me ar adentro.

domingo, 29 de março de 2009

Corpo Morno

Nos matam
Unicamente
Por se amarem
O senhor tempo
E a total perdição
Em meu, seu
Corpo morno.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Canção Distraída

Como a noite você dança
Ao redor de mim balança
Com suas tranças esquecidas
E sua bolsa de marfim

Sobre o palco que é o chão
A eterna serenata diz não
Há uma ponte sobre as lágrimas
Que chovem sem fim

E ultrapassa os automoveis
E essa estrada segue as nuvens
Do seu arco de estrelas
Do seu quarto cor de carmim

E o seu morno travesseiro
De sua nuca tem o cheiro
Atravessa-me inteiro
Como um galho de jasmim

domingo, 15 de março de 2009

Colheita

Eis em meu ver a era de vênus
E o inseto sabor de veneno.
Eis os capricórnios sinos.
Pontes sensuais de três lados.
Cabelos cristalinos.
Barco de espelhos naufragado.
Arco de universo em expansão.
Meu universo em contração.
Eis os versos da canção
Sobrevoando as ébrias
Éguas de azeite e cereja.
Surge o mamilo da flor de leite,
Surge enquanto fulge, enquanto dure,
Enquando deite!

terça-feira, 3 de março de 2009

Beija

Lábios
de mulher
Ameixa
flor de mel
Morna

saliva de rosa.

Prazer de café
aroma
Mulher de pérola
seda
Desliza frágil

a onda.

Um pensamento...

Meu espírito ardente
Defronta-se com o espelho
De minh'alma
Que belamente, de repente
Reflete os dois lados
Da lente de meus olhos.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Aos Beat Batentes

Eis os cíclicos homnídeos. Peças de argila bascas,
Ébrias da nevasca Dantesca, toscas.
E o verde das folhas e o aço das cascas,
Flutuam nas nuvens Beatnick de Boston.

Já que quero o alcool, de cara,
Kerouac quer o ópio do bico da arara
Onde toca o Carnaval de girinos e tâmaras
Quebrando o tempo e o véu das mascaras.

Ouça o chamado dos babuínos d'aurora
Em chamas de limbo e de erva sonora
O lírio da montanha rompe, sobrevoa, demora, e... e...
E morre na noite onde a lua mora.

O vinho é a hora, e a cor do sangue sangra.
Chá de Ginseng para Ginsberg, e mantra.
O manto de madeira rola sobre Burroughs
E o não-materialismo das poltronas de Clélio.

Espanto a todos os malditos não nascidos,
Que virão depois de mim, perpetuar a maldição.
Que saibam, são eles todos merecidos
Do licor dos versos que provoca solidão.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Manhã de Lua

"Aperte, então, forte, minha mão.
Tão perto, perto assim.
Colorido azul, como irmão:
Eu de você, você de mim.

Como cor de camaleão,
Até o chão, chovendo marfim,
A doce pele de teu seio
Vez em quando, sempre, em mim.

Bruta Lua, repleta de canção,
És a presença da pureza.
Essa prata lua de manjeiricão,
Como aroma da morte, com delicadeza.

Tú, Lua linda, mais profunda que tu mesma,
Sobrevoa a janela da manhã,
Derrama-me imenso mel de tristeza,
Inesquecível, como sabor de maçã."

João Miguel, 09/12/08

A Atriz

"Se eu fosse você provaria o nada
Ou ao menos aprenderia a levitar.
Não há morte, nem estrela que lhe diga:
Seu sabor é oliva, ou apenas sangue de luar.

Suprema. Pedra, fogo, tanto faz.
Não há canção que tua voz desafie o Sim,
Nem vazio, nem oceano de lágrima fugaz
Que não toque teus olhos em mim.

Do centro do ser ao palco de madeira
Tua nuca compõe o certo paladar do doce,
O samba dos tristes amores d'amoreira,
O aroma do quando. Esqueço o sobre.

Nem o tempo, inimigo do errado amor
Pode caminhar sobre ti, ele desiste.
O véu do choro é teu amigo maior,
O nunca, o nada, perto somente insiste.

Teu caminho é caminhar."


Com carinho, John.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O Dia

Hoje minha vida,
Sob um escombro,
Sobe, da solar
Indulgência, o ombro.

Noite entardecer breve,
Ainda que não na vida.
Na vida apenas emudece
O olhar contrário à saída.

Imorais pensamentos da sonolência
Quem, afinal, criticará a impermanência?
Frágil certeza dos Santos alimento.
Donos do futuro, lendários gerentes do tempo.

Hoje é o dia, dia negro;
Não à trevas, à pele.
Acordes soando adentro,
Eclipse musical do mundo.

Minhas palavras não são palavras.
Este verso não existe, apenas no não supremo.
Desista se o caminho é desistente.
Este verso não diz absolutamente nada,
Este verso sente.

O não-poema da ilusão

Ser ilusão.
Ser ilusão.
-Hum, curioso.
-Tem sabor de ossos de ente.
O ser ilusão transpira ilusão,
E seu suor... tem um aroma pungente.
Explicação da ilusão,
Será o sabor da mente?
Ser a alça, borda, mentira?
Como a morte de uma Rosa, eternamente.
Como a eterna Rosa,
Ilusória Rosa da morte,
A não-ilusão existe,
Certamente não se sente.
Absurdamente não se ilude.
A não-desilusão não se desilude.
Não vive, pois não nasce.
Não cobra, pois não morre.
A ilusão apenas socorre. "

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Esfínge

Sinto o gosto amêndoa em meu palato alto,
Reluzindo suas abóbadas, pele de ouro.
Sonhando queimar-te de dor, meu tesouro,
Meu coração já derrete seu salto.

Demasiado sabor asfixiado, firme em minhas mãos,
Dono dos aromas turcos enterrados n'areia,
Teu corpo explícito e diamante, explode!
Como pode? Derrama, em demasia, poeira.

Amo e detesto esta esfínge, de cabelos fáceis e negros.
Cheguei até a provar teu seio. Pobre de mim, fraquejo.
Por que sonho? Por que vejo-te, por que quero-te,
Dor que sustento, esqueço, o olhar?

Palavra

Amo-te tanto.
Teu ser, meu encanto.
Versos do amor cotidiano.
Versos do que nunca se vê:
Estes que agora canto
Por ti são de todo meu querer.
Resta perceber o enquanto,
A verdade, o sabor do prazer.
Ver as cores inverno nas flores.
Compartilhar a vaidade das árvores.
Banhar-se sob a Lua tão brilhante e trágica.
Amo-te no lento caminhar do velho
E no azul intolerável
De uma pétala de céu.
Cheiro de mato molhado.
Seu filho adormeceu.
Num supremo caminhar viver,
E alcançar, enfim, o nada.
Amo-te tanto, meu amor,
Palavra.
Amo-te tanto.
Teu ser, meu encanto.
Versos do amor cotidiano.
Versos do que nunca se vê:
Estes que agora canto
Por ti são de todo meu querer.
R

Nota

O quinto intervalo
Do flajelo desolado
Esconde-se nos escombros,
Nos sombrios assovios,
A frequência incansável.

Esta nota líquida,
Esta nota sem som,
Este som de nata,
Saculeja,
Quilombola de pele preta,
Esculacha.
Equilíbra.
Este som,
Sem som,
Sem si,
Sem vida.